terça-feira, 31 de janeiro de 2017

CORDEL BAIANO NA ABLC

Fui chamado de ‘bairrista’ por só tratar de Cordel Baiano neste espaço. Antecipo os objetivos no perfil do aplicativo, não me sinto discriminado. No PEPLP-UFBa ( Programa de Estudos e Pesquisas da Literatura Popular) e posteriormente na Comissão Baiana de Folclore, ambos orientados por Doralice Alcoforado, professora e pesquisadora, aprendi que a Bahia não tem seu Cordel reconhecido na mesma proporção que a sua qualidade literária e histórica. Acredito que a canonização, tanto de homens ‘santos’ como de obras de arte, quem determina é o povo, o público, o leitor. Sociedades, agremiações, confrarias, clubes, academias, críticos e editores servem mais para fortalecimento daquela prática a qual se propõem a ‘preservar, valorizar, difundir e divulgar’. Não quero aqui meter o bedelho onde não estou sendo chamado, mas a quem caberia esta responsabilidade? Ao poeta, ao sindicato, ao governo, às bibliotecas?
Por aqui, Rodolfo Coelho Cavalcante, lutou muito nos anos 40 a 70 pela organização da classe cordelística na Bahia e no Brasil, com amigos fundou a OBPLC – Ordem Brasileira dos Poetas de Literatura de Cordel, dirigida posteriormente por Bule-Bule e Paraíba da Viola, com sede em uma barraca que virou ponto de apoio, vendas e apresentações na praça do Elevador Lacerda. A poeta Zuzu Oliveira dirige a Ordem atualmente em busca de renovação e novos apoios pois a sede foi retirada da praça pela prefeitura em 2013 e até o momento não foi substituída ou realocada.
          Visitei a ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel no Rio de Janeiro. Conheci o poeta Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da instituição; sua esposa Mena, a Madrinha dos Poetas. Adquiri uma obra prima, 100 CORDÉIS HISTÓRICOS SEGUNDO A ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL, em 2 volumes, tamanho 30x20cm, com as capas em fac-símile de todas as obras, patrocinada pela Petrobras e publicada em 2008, “destinada a preservar parte significativa da cultura brasileira” conforme Francisco da Silva Nobre; organização e curadoria do próprio Gonçalo.
Por ser este um blog escrito por um baiano com o intuito de debater a nossa produção, procurei a produção baiana na referida antologia. São 100 poemas escritos por 41 poetas de 9 estados do Norte/Nordeste. Destes, apenas um é da Bahia: “O ENCONTRO DE LAMPIÃO COM DIOGUINHO”, de Antonio Teodoro dos Santos, ‘O garimpeiro”, natural da cidade de Jaguarari. A coleção conta com a produção de 15 paraibanos, 11 pernambucanos, 3 potiguares, 2 alagoanos, 2 cearenses, 1 paraense, 1 piauiense, 1 sergipano e 4 com naturalidade desconhecida. Esta edição “é um marco histórico e indelével para a ABLC, para as letras brasileiras e para a própria latinidade”, palavras do Mestre  Gonçalo que endosso.  Ele antecipa que ‘não foi justo na visão de muitos e que foi difícil escolher apenas 100 de um rico acervo de cerca de 13 mil”.
           A equipe organizadora mostra a importância histórica e literária destes poemas nas apresentações constantes no livro. A curadoria optou por incluir apenas autores mortos “pois eles não têm outro processo para reeditar seus trabalhos”, e que nasceram entre 1848 a 1928. Organizar uma antologia não deixa ninguém felicíssimo, muito pelo contrário, a exclusão de alguém pode causar atritos artísticos e pessoais entre os envolvidos e seus interessados. Sem tartamudear, mas respeitando os critérios, senti falta de Cuíca de Santo Amaro, que se encaixaria neste recorte. O brincante pernambucano, Antonio Nóbrega, em seu texto de apresentação, lembra a figura icônica do poeta baiano nas imagens de Pierre Verger na revista O Cruzeiro como um destaque nacional.
A nossa Literatura de Cordel também tem seus ‘bestsellers’, seus cânones, seus autores consagrados, assim como todo e qualquer gênero literário com seus clássicos, pastiches, auto-ajudas, fantasias e amores. Falta-nos, para nos equipararmos à literatura oficial, uma classificação por escolas e/ou estilos; temos classificações temáticas, mas não seria difícil estabelecer paradigmas para uma taxonomia mais erudita. ‘Mas o que temos com isso?’
Eu, Gonçalo, Walkíria e Mena.
Os poetas populares seriam sempre populares ou populistas? As instituições cumprem o seu papel de estabelecimento de normas e padrões. Busco uma poesia com “sangue novo e elementos deveras salutares”, como diria o grande Antonio Vieira, de Santo Amaro da Purificação, com seu Cordel Remoçado, uma blasfêmia para uns e arte para tantos outros.
Gonçalo Ferreira, a princípio criticado pelos próprios colegas, foi vítima de diversas chacotas versadas em desafios de repentistas na conceituada Feira de São Cristovão, berço da cultura nordestina no Rio de Janeiro. Os populares não precisam de organização, consagração, conservação e motivação? Sua perseverança e persistência demonstraram que estava no caminho certo, a Academia não seria apenas um celeiro de egos, mas de preservação, divulgação e estímulo à leitura e à produção do cordel. Ele relata com satisfação as críticas que sofreu quando iniciou a campanha para a fundação do órgão, que seria melhor juntar-se com Drummond, Vinícius de Moraes, Castro Alves, Gonçalves Dias e outros clássicos, era o conselho que recebia.
         A representatividade da ABLC como entidade de classe é notável no Brasil pela adesão da maioria dos poetas em atividade. O critério para escolha dos membros é “por meio de votação em escrutínio secreto” e que 25% das cadeiras é para os não residentes no Rio. No panteão da ABLC figuram pessoas jovens e maduras, com vasta e pequena produção poética, com muita experiência de estrada e iniciantes iniciados na própria Academia. É uma variedade de estilos e temas que encantam os leitores, amantes e praticantes desta arte que vem atravessando os séculos com pecha de ‘literatura barata’, sem valor canônico, mas que tem demonstrado em estudos sua importância literária e influência nos autores considerados consagrados em toda a literatura universal.

A pesquisadora, Ana Carolina Carvalho, declarou ao O Globo em 2015, num artigo sobre o Cordel Carioca, objeto de seu estudo, “que apesar de não terem retorno financeiro, (os poetas) insistem em escrever. É como se eles se sentissem cotidianamente desafiados a versificar o mundo.” Neste mesmo artigo, do jornalista Emiliano Urbim, Moraes Moreira relembra, na ocasião de sua posse na ABLC, a influência de seu irmão Zé Walter na sua caminhada no mundo do Cordel. Moraes temia os preconceitos, foi bem aceito e visto como prestigiado divulgador do Cordel.

Das 40 cadeiras disponíveis na ABLC, Rodolfo Coelho Cavalcante é o patrono de uma delas. Atualmente 5 cadeiras são ocupadas pelos baianos Bule-Bule, Marco Haurélio, Moraes Moreira, Varneci Nascimento e Zewalter Pires. Não faço aqui campanha por minha inclusão numa cadeira,  sou do Clube do Grouxo Max e não é permitido filiação a agremiações que nos aceitem como sócios. Sugiro aqui o nome de Franklin Maxado ‘Nordestino’ à próxima vaga na ABLC pela importância e qualidade literária e gráfica das suas publicações, pois também é xilógrafo. Não sei se ele tem interesse, mas para o Cordel da Bahia seria um prestígio necessário para a difusão de nossa produção com os que lá estão.