sexta-feira, 2 de março de 2018

BODAS DE BRILHANTE PRO CORDEL BAIANO



“Minha história pessoal começa em Feira de santana, pois lá nasci. Pra ser preciso, a 15 de março de 1943.  Sou descendente de portugueses, mas me considero um elemento tipicamente brasileiro porque, em minhas veias, correm todos os sangues formadores ou, pelo menos, que contribuíram para a formação da nacionalidade brasileira. Minha mãe, por exemplo, parece uma inglesa e ela se orgulha muito disso. Só não me consta que tenha parentesco com japonês. Mas acontece o seguinte: chego num lugar e sempre tem alguém que me acha com cara de judeu ou de árabe ou de índio ou até mesmo de espanhol. Quer dizer, meus antepassados portugueses já vieram misturados.” Franklin Maxado em: A Noite dos Coronéis.

                    FRANKLIN MAXADO NORDESTINO 
                             NA BOCA DOS OUTROS

Orígenes Lessa, na orelha do livro Cordel, Xilogravura e Ilustrações, escrito por Franklin, publicado em 1982, pela Codecri, no Rio de Janeiro: “ O formato era o dos folhetos comuns. Número de páginas, em geral o mesmo. Estrofe de seis ou sete versos, como os outros. Os versos, de sete pés. Temática, geralmente a mesma. Igual em quase tudo. Mas logo se viu: aquele não ficara na escola primária. A vida lhe dera oportunidades que nem sempre seus outros colegas, alguns fabulosos, tinham tido. Tivera ginásio, universidade, era até bacharel.
Para se identificar melhor, talvez, com seus novos companheiros, ele pegou até o ch do sobrenome e o botou pra escanteio: continuou Machado, mas com X, e seu nome de briga (ou de poesia) passou a ser Maxado Nordestino. Mostrava assim que preferia o povão do mercado à clientela que o atazanava no escritório de advocacia e mesmo aos colegas de jornal em Salvador.
Ele vinha pra valer. A praça é dos poetas. Lá estava ele vendendo seus versos, perfeitamente integrado na imagem tradicional de poeta do povo. Faz, publica, vende poesia. E estuda poesia. Já autor de mais de 70 folhetos, incorpora-se á mais extraordinária manifestação da cultura popular no Brasil. Ninguém mais homem do cordel. Ninguém mais consciente de sua opção. Daí, há dois anos, um dos grandes sucessos editoriais da Codecri: O que é literatura de cordel? de Maxado Nordestino, um depoimento que ficará clássico nesse campo. Daí os anos de pesquisa que Maxado Nordestino dedicou a uma das decorrências dessa literatura popular (decorrência econômica e logo a seguir realidade artística espantosa em muitos casos): a gravura em madeira, inesperado caminho para criaturas mal saídas do anonimato e do não-alfabeto, que nos surpreendem com eventuais obras primas. Fazendo-se xilógrafo  ele mesmo, como muitos outros, Maxado quis saber quem eram os outros, quantos eram, como tinham começado e onde, se faziam xilogravura e desde quando. O presente livro é a resposta a essas e a mil outras perguntas ao longo dos últimos anos, lendo, viajando, formulando questões. Escrever sobre a xilogravura em nossa literatura de cordel, de agora em diante, ninguém o poderá fazer sem conhecer as pesquisas, descobertas e informações deste livro notável.”
                                                    
 Arievaldo Viana, na apresentação da reedição do livro: O que é cordel na literatura popular, também de Franklin Maxado, da editora Queima-bucha, lá de Mossoró e lançado em 2011, diz: “ Foi necessário que surgissem pessoas como Franklin maxado, homem culto, com formação acadêmica, mas profundamente ligado ao universo do cordel, para que alguns disparates começassem a ser refutados de forma eficaz e contundente. Inicialmente, o próprio Franklin sofreu a rejeição de alguns estudiosos do meio acadêmico da mesma maneira como foi rejeitado por alguns colegas de cordel. um deles, Jotabarros, chegou mesmo a publicar  um libelo contra o seu ingresso na profissão de poeta e folheteiro, intitulado “Doutor, o que faz em cordel?”, no que Franklin rebateu prontamente com o folheto “Doutor faz em cordel, o que cordel fez em Doutor!” Hoje, além de Franklin Maxado, temos nomes envolvidos com o estudo do cordel que também estão diretamente ligados à sua cadeia produtiva, como é o caso de Marco Haurélio, Gonçalo Ferreira, Moreira de Acopiara, Aderaldo Luciano, dentre outros.”
                                              
 Antonio Amaury, no livro Franklin Maxado – Biblioteca de Cordel, publicado em São Paulo pela editora Hedra, em 2007, relembra: “ No tempo em que as nuvens negras da ditadura militar começaram a ser afastadas do nosso firmamento, com o início da abertura no rumo da democracia, vamos encontrar Franklin Maxado como candidato a Presidente do Brasil pelo Partido Kordelista, assim mesmo, com K, como pregava na sua reforma ortográfica.
Encontrou de pronto um defensor de peso na figura do ilustre poeta e intelectual patrício Carlos Drummond de Andrade.
Levantando bem alto a bandeira da sua candidatura, ele escreveu crônica de página inteira em jornais de circulação nacional e elogiou a criatividade do poeta-candidato.”
                                   
 Mark Curran, em Retrato do Brasil em Cordel, Ateliê Editoriail, lançado em 2011, comenta:  “Como já se disse, um momento menor mas significativo da história brasileira teve lugar pouco tempo depois: o símbolo do orgulho nacional e de sua superioridade no futebol, a Taça Jules Rimet, foi roubado de uma vitrine no centro do Rio de Janeiro. O episódio e as circunstâncias que rodearam esse roubo produziram uma dos poemas mais vitriólicos  da época, escrito por Franklin Maxado em São Paulo: O Brasil Entrega o Ouro e Ainda Baixa as Calças ( O Ex-País do Futebol). O poeta está mais do que zangado ou triste (desculpem a expressão, mas não há melhor maneira de expressar do que a frase usada pelo povo): “está puto da vida!” Segundo o poeta, o governo mandou fazer uma cópia da taça roubada, de ouro como a original, mas por m ourives de fora do Brasil! Isso simboliza, para Franklin Maxado, poeta liberal, hippie e constetador, um desprezo da nossa técnica e um atestado de nossa “incomptência”, e, mais que tudo, uma afirmação da dependência em que está o Brasil em relação ao Primeiro Mundo. O vate toca realmente na psique nacional e no papel que o futebol representou em 1970, além do fato de o orgulho nacional tornar-se um produto de um jogo levado a sério demais, talvez, na verdade, “o único jogo” do país do Brasil.”
 Cid Seixas, na revista Légua&meia, Ano 4,nº 3, 2005: “Franklin Machado é um ator-camaleão da cultura brasileira. Múltiplo nas suas artes e apartes no cotidiano da nação, como se lê no texto-depoimento a seguir e nas gravuras de cordel que ilustram este número de Légua&meia; jornalista, poeta, cantador e contador de cordel, com mais de duzentos folhetos editados pelos descaminhos do Brasil. Bacharel em Direito e em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, foi diretor do Museu Casa do Sertão (por ele idealizado) e do Museu Regional de Arte, de Feira de Santana.
No início dos anos 70 bombardeou a vida da cidadecom peripécias e estripulias que o embarcaram no último pau-de-arara, com destino a São Paulo. Ao desapear, no centro da metrópole, ali mesmo, na Rua Augusta, levantou sua tenda dos milagres. Viveu como poeta de cordel e artista popular durante os delirantes anos da ditadura, sem dispensar estrepitosas intervenções na política nacional, incluindo a candidatura à presidência da República das bananas e baionetas.

Como artista múltiplo, juntou ao nome civil do estudioso o nome de guerra que ganhou nas bandas do Sul: Maxado Nordestino. Nos seus 40 anos de reinações e andanças pelo mundéu de Deus e do Diabo, o filho pródigo está fincado em Feira de Santana, semeando a terra e as artes. Louvado seja.

                         
Guido Guerra, no livro A noite dos coronéis, Volume II, publicado pela Alba e ALB, em 2005, define assim o nosso poeta: “Ele escandalizou Feira de Santana, não por ter casado com uma negra, uma atriz de teatro, mas por ter quebrado os padrões dessa cerimônia. Projetou uma cerimônia ecumênica, com uma bênção católica e elementos constitutivos do candomblé. Levou o cordel para São Paulo e lá cantou Terra de Lucas. Na sofisticada Rua Augusta, abriu um ateliê de cordel: o Nordeste foi sua matéria prima e seu sonho de consumo – Rodolfo Coelho Cavalcante, Zé Limeira, o Cego Aderaldo – tantos outros enriqueceram seu acervo permanente. Através de suas palavras, de suas lembranças de juventude, por vezes com um travo de amargura, de ressentimento, o leitor mergulha também numa tocante história de amor.”
Possui 96 títulos catalogados na Coleção Folhetos de Cordel do Acervo Bibliográfico da FUNCEB, Egba, 2006.
               
Foi acusado de ser o escritor por trás  do cordelista, K. Gay Nawara, um pseudônimo jocoso, cacófato pornográfico, imitando a língua japonesa. Folhetos desbocados ao estilo de Cuíca de Santo Amaro começaram a aparecer nas feiras de livros e de artesanato em São Paulo, Rio de Janeiro, Feira de Santana e Salvador nos anos 70, assinados por este poeta. O autor se escondeu muito bem, os compradores não revelaram a fonte e Franklin Maxado sempre nega quando perguntado.

Um comentário:

  1. Parabéns ao cordelista pelo aniversário e pela vida repleta de rimas.

    Valdeck Almeida

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