domingo, 11 de novembro de 2012

CORDEL BAIANO NO CINEMA

O filme, CUÍCA DE SANTO AMARO, dos diretores, Josias Pires e Joel de Almeida, é um relicário de imagens da cidade do Salvador, nas primeiras décadas do Século XX, e uma devassa na vida do polêmico escritor José Gomes, (1907-1964), vulgo Cuíca de Santo Amaro, através de depoimentos de diversas personalidades que o conheceram e que até foram vítimas de seus versos ferinos nos folhetos de cordel que ele escrevia e vendia pelas ruas da velha cidade. Associando imagens de arquivos, animação e entrevistas, a fita faz um belo relato da vida e obra deste que foi o maior poeta de cordel da Bahia, apesar das controvérsias a respeito de sua obra, considerada de baixa qualidade literária e pornográfica. Mas Cuíca não era só isso, porta da voz de uma população desinformada e sem acesso aos benefícios sociais a que teria direito, Cuíca bradava contra aqueles que se corrompiam e se aproveitavam da ingenuidade do povo. Também invadia intimidades pessoais, destacando casos bizarros e escândalos sexuais, sendo por isso, preso diversas vezes. Livrou-se dessa pecha somente anos depois, sob a proteção do Major Cosme de Farias, famoso rábula à época, que conseguiu para ele um habeas corpus permanente. Só assim ele ganhou o direito a propagandear e vender seus folhetos sem repressão policial. Esta particularidade do poeta, ser denunciador ou chantagista, é bem aproveitada no filme para uma discussão sobre a função da imprensa na sociedade, há declarações bombásticas sobre o assunto.
Seus temas e títulos até hoje causam gargalhadas nas plateias. Durante a primeira sessão foram eles, acompanhados das ilustrações das capas de Sinézio Alves, os responsáveis por risos da plateia. Trechos de seus poemas recitados por pessoas comuns, declarações de figuras históricas da Bahia, como Chocolate da Bahia, Ubiratan de Castro, Waldir Pires, Monsenhor Sadoc, Capinam, Mário Kertész, Zilda Paim, Armindo Bião, Edilene Matos, entre outros; e o embate entre os artistas plásticos Sante Scaldaferri e Mário Cravo Junior, acusado de ter agredido Cuíca e rasgado seus folhetos como vingança por ter sido citado em uma de suas obras. Todo este encanto causado em novas e velhas gerações mostra a atualidade da obra de Cuíca de Santo Amaro e a perenidade das falcatruas políticas e escândalos sexuais, tão comuns ainda hoje em nosso país.
 Momento de comoção é a participação de Jorge Gomes, filho do poeta, relatando o sofrimento da família após a morte do pai provedor, obrigando a mãe a aventurar-se numa barraca da Feira de São Joaquim para sustentar os filhos deixados por Cuíca sem nenhuma assistência oficial, por conta de sua opção pelo trabalho autônomo sem pagar assistência. Para completar a homenagem, no seu 107º aniversário de nascimento e 48º de sua morte, a Fundação Pedro Calmon em parceria com a Editora Livro.com, lançou o livro, A VERVE DE CUÍCA, reunindo 20 poemas do autor com um texto de Orígenes Lessa, que o entrevistou no Elavador Lacerda no dia 10 de junho de 1953, expondo sua maneira de mercar seus folhetos, faceta bem explorada no filme pela voz do ator Gil Vicente. O poeta Antonio Barreto, faz também singela homenagem a Cuíca, na contracapa do livro, com a septilha: ” Cuíca de Santo Amaro / Nosso amado cordelista / Nas ruas de Salvador / Foi o grande jornalista / Que nas trilhas do cordel / Destacou-se no papel / De poeta Socialista.”
Minha figuração de 5 segundos anunciando o folheto: A GAROTA DE PROGRAMA QUE SE ENTREGOU A JESUS, na Feira do Curtume, registrado pelo jornal A Tarde, de 07/11, foi consagradora, pois, não somente a minha obra, mas também a minha imagem ficou associada à do mestre e guru, Cuíca de Santo Amaro, neste filme que é um dos mais criativos sobre a vida de um artista e de uma cidade que anda com a autoestima muito em baixa.

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